terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Casas de Estância.


Havia varandas largas e frescas, naqueles velhos sobrados de madeira
E cadeiras de balanço, espiavam por entre as frestas da mureta de pau.
E a mesa era posta lá fora nos dias de festa,
E, nos dias de lida, somente o mate e o dedo de prosa...
Em suas velhas cozinhas, com portas de duas bandas
O fogão de lenha saboreava a alvorada dos cernes de angico.
Um armário, preto, de madeira,
Guardava a louça que era passada de gerações.
E o balde, suado, sobre a pia,
Descansava a água tirada do poço.
No fogão, as panelas coziam
E a água da caldeira aguardava paciente o banho das crianças.
Eram grandes as mesas, pois eram muitos os filhos.
E a cada ano, um novo filho surgia quando vinha a parteira.
Num canto, uma pipa de carvalho temperava o trago pra antes da ceia,
Enquanto os trilhos de crochê se espichavam, preguiçosos, sobre a mobília.
Havia sótãos onde as crianças não entravam
E porões, onde secavam as espigas.
As salas, guardavam retratos ovais
Onde o desenho dos noivos, emoldurava o matrimônio.
Nas salas arejadas, homens jogavam baralho
E mulheres faziam bordados.
E mulheres e homens secavam suas vidas no cabo da enxada
E faziam filhos, para secarem em novas roças...
Num novo campo... Num outro dia... No mesmo sonho...
- Mas a vida era simples; E se morria de velho.
Levavam-se toras nos carros de boi
E nas charretes, queijo e salame às vilas.
A estrada era Geral.
Era de onde vinham as cartas, os mascates com seus badulaques, as más noticias...
E era por onde partiam os retirantes na espera de uma vida melhor.
E as casas, velhas, de madeira,
Criaram lendas de fantasmas em seus sótãos e porões...
Aranhas tecem suas teias, onde antes teceu-se bordados
E as lembranças morrem, discretamente, com aqueles que as contem.
As velhas casas viram lenha;
Os seus domingos: - Saudade!
Suas lembranças, versos:
Para a caneta dos poetas;
Para as vozes dos cantores;
Para a imaginação dos moços;
Para a saudade dos avós.
O cheiro da maçanilha e marcela e canto dos pássaros,
Para quem ainda guarda na alma
Lembranças, dessas velhas casas de estância...




Caco de Paula.
09/12/05

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Milonga para Pedro Guerra

A madrugada estende um lenço
Maragato, como seus ancestrais,
E o menino Pedro Guerra
Como um centauro se vai.
O campo é seu universo, seu irmão o Uruguai
E nas coplas de um assobio, deixa a noite pra traz.
Cevando amargos da vida,
Adoçando com jujos a lida,
Sorvendo o cheiro da relva
N’alguma querência esquecida.

A tarde desaba em prantos
Fazendo de várzea os campos,
E o moço Pedro Guerra
Solito, se vai ao tranco.
O chapéu de aba tapeada, o poncho molhado demais.
O lenço vermelho atado, em memória aos seus ancestrais.
O mate cevado na alma,
Lavado de tempo e calma.
Na tarde que morre em pranto,
Vai o Pedro, sovado de campo.

A noite chega sem dar alarde,
Dando vida ao braseiro que arde.
E o velho Pedro Guerra
Bebe a morte de outra tarde.
Pedro Guerra peleou com a vida, na lida, alegria e dor...
Hoje é mais um boi que o destino reponta para o corredor.
Vai o velho Pedro Guerra
E de lá, não volta mais.
Mas se vai de lenço atado,
Pronde estão seus ancestrais.

Caco de Paula
18/01/2004

Espelho

Já não se usa a velha canga
Puxando o tempo no lombo dos bois.
Os pirilampos perderam a magia...
Os dias passaram? Os tempos Mudaram?
Ou será que foram os dois...?
Não se pesca mais lambaris de sanga
Com anzol de alfinete e caniço de sarandi,
Os dias não param, os anseios mudaram...
E as coisas cambearam até mesmo aqui.
Onde andará o botoque certeiro
Pras caçadas de rola ou de juriti?
Pelas pastagens os quero-queros calaram
E pelos aramados, não se vê mais pousados os bem-te-vis.
Silenciou-se nas estradas o grito tropeiro
E o som do sincerro que um dia ouvi,
Nas manchas de óleo os peixes turvam
Prum negro de noite qual surubim.
E o novo caudilho se lança pro espaço
Buscando respostas em outro lugar.
Quem sabe encontre em outro planeta,
Ou na luz de um cometa por onde passar...
E quando achar, terá uma nova chance
De um recomeço bem longe daqui,
Matar novos mundos com sua ganância,
Extinguir outro planeta como fez por aqui.


Caco de Paula
01/2004