terça-feira, 9 de novembro de 2010

Milonga de Faca e Laço

Vai o laço se espichando,
Buscando o corpo do touro,
Sentindo fome do couro
Vai lambendo o pastiçal.
E se cumpre o ritual,
Parando a rês num boleio,
De um lado o braço campeiro
Do outro o tombo brutal.

Vem a faca castradeira,
Que não se achica pro serviço...
E conhece o compromisso
Que o laço acabou de marcar.
Vai cumprir o seu ofício,
Nesta rude medicina,
Limpando a faca na crina
Na ciência de castrar.

Num alvoroço da cuscada
Saem os potros da mangueira,
Uma tropa muy lindeira
Bem preparada pra armada.
Bate bumbos a tourada,
Com pataços pelo chão,
E a chacarera no coração
De quem campeia a olada.

Depois de feito o serviço
De touro que vira boi,
O dia inteiro se foi
A faca, corda e munício.
Um truco orelhado pro vício
Indica que é chegada a hora
De descansar as esporas
E lustrar balcão de bolicho.



Caco de Paula.
24/10/2010

sábado, 16 de outubro de 2010

Seiva Bugra

Vagam pelas estradas com passos sem rumo
Como errantes pela terra que é sua,
As mãos vazias, as barrigas roncando,
Mas a alma transbordando de cultura.

Balaios, cestos, animais entalhados,
Suvenires que enfeitam salas,
Das casas confortáveis de outros homens,
Que usurparam suas terras por migalhas.

Peles queimadas pelo sol da estrada,
Herdeiros puros da raça de Sepé,
Pousam pra retratos tirados nos Sete Povos,
Mural da história, que teima em estar de pé.

Resto de povo, berço da história,
Luta e glória que não cabe nos livros.
Resto de gente, povo sofrido,
Que entre seus descendentes, já foi há muito esquecido.

E hoje, vejo meus ancestrais pelas esquinas,
Vender balaios com crianças maltrapilhas,
Enquanto bandeirantes e “heróis” da nossa estória,
Nomeiam ruas, praças e avenidas.

Ergueram missões e catedrais nos Sete Povos
Estes braços fortes de homens tão sofridos
E hoje imploram alguns pilas nos balaios,
E quem foi rei, hoje se para de mendigo.

Mas a seiva bugra, destes reis campeiros,
Sabe que um guerreiro nunca nega sua origem.
E as cicatrizes em seu corpo inteiro,
São tronco e raízes de quem aqui chegou primeiro!




Caco de Paula.
01/10/2010 -15/10/2010

A Valsa das Borboletas

Quando o som do silêncio
Dedilha suas notas de prata,
Seguem num doce valseio
As borboletas-monarcas.

Sons de um canto mudo,
Mais que um simples bailado,
No palco do campo ou jardim,
Dança um corpo alado...

O corpo tênue, as asas abertas,
A valsa certa pra vento ou brisa...
Na dança etérea de quem flutua,
Bruxos passos da bailarina...

O sol desenha longas sombras sobre as flores,
E o silêncio fala ,de amores, que não se pode descrever.
Quem olha tenta entender, o valsear da bailarina,
E os olhos guardam nas retinas um resto de bem querer.

O valseado segue eternamente,
Mas quem ama consegue entender!
A valsa das borboletas, nas mudas notas,
Pelos ares a se estender.





Caco de Paula.
15/10/2010

sábado, 25 de setembro de 2010

Mulher Farroupilha

As mãos que seguram a vassoura
Na xucra lida diária
Te fazem eterna guerreira
De nobre sina libertária.

Os cabrestos que te maneiam
De rancho, filho e marido,
Não ofuscam teus afãs
Dos sonhos não paridos.

Por isso és guerreira
Desta guerra que não finda
De casa, cama e fogão,
De sanga, planta e capina.

Que Deus te abençoe sempre,
- Nobre mulher farroupilha -
Pois teu semblante exala
A grandeza de tua alma caudília.



Caco de Paula.
20/09/2010

sábado, 31 de julho de 2010

Meu Rincão

A noite chaga tranqüila pra bombear o meu rincão,
E o canto de um grilo pagão abençoa as estrelas.
Adormece a mangueira, depois de muita lida
E uma açucena dormida bebe gotas de sereno.
Os baios se fazem vultos, por entre o breu soturno
Ouvindo o lamento noturno do cantar de um urutau.
A gadaria num missal, onde antes se carneou,
Ruminam uma oração pra o capão que não voltou.

O meu rincão tem segredos
Que não conto nem pra mim,
O sussurro do capim conversando com a terra;
Fantasmas pelas taperas, mateando sua saudade
Pois nem a morte faz aparte pra quem é desta terra.

O açude bebe a lua, pra o encanto da traíra,
E valsea a bailarina que renasceu num aguapé.
No poleiro o garnisé conta as horas pra alvorada
Pra acordar a madrugada com seu grito de Sepé.
Meu rincão é bem assim, léguas de chão e simplicidade
Pra quem parte é saudade, pra quem fica é mais que um lar!
E pra quem que pode voltar, bebe a água da cacimba
E sente que a vida é mais linda, se vivida neste lugar...





Caco de Paula.
27/07/2010

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Na Tropa dos Anos.

(Para o amigo Edegar Soares)


Mais um cavalo se achega para a tropilha da existência.
Este, começa hoje a ser amanunciado.
Desencilho o meu gateado, que me segui no último ano,
E encilho este tobiano que não tem o queixo quebrado!
Hoje, relembro do petiço, que montei quando guri,
Que como o tal de Mitay era pequeno de estrutura,
Mas faltavam lonjuras pras patas desse cavalo.
Depois, montei um baio-oveiro,
Sestroso e passarinheiro, desconfiado e redomão.
Pra adolescência de um peão, só mesmo um queixo duro,
Que lhe prepare pro futuro e para as dobras da estrada.
Quando encilhei meu rosilho, a estrada já era parceira.
Quantas vezes plantei a figueira, só pra aprender a levantar.
Mas no oficio de domar, aquilo que mais me encanta,
É ver a pateada mansa daquilo que já foi tão xucro.
Enfrenei outros potros, é bem verdade...
Uns ficaram mansos feito uma tarde, outros, me deixaram curto dos pilas,
Mas, todos botei na tropilha, e jamais desisti de nenhum!
Fosse um matungo comum, ou fosse um crioulo bueno,
Cada um dos cavalos que enfreno, sempre me ensinam algo a mais.
Agora, tiro as garras do gateado pra sentá-las neste tobiano.
Será para a doma deste ano e será enfrenado bem na minguante!
Há de ser doce de boca, pra viajar a escoteiro,
Cavalo piqueteiro que ha de estar sempre a mão.
Pras horas de precisão, cavalo solto das patas,
E quando as horas forem ingratas, mais que um cavalo, um amigo.
Me paro a pensar no próximo pingo:
- Será ele um tordilho?
Ainda me falta amanunciar tanto pelo...
Mas para quem traz nos peçuelos uma colméia de versos,
Tanto faz o pelo inserto que virá na próxima doma.
Se terá alma redomona, ou mansa feito água de rio,
Só hei de conhecer o desafio nos pastos do ano que vem,
Mas, de uma coisa sei bem, sou desses que não se achica,
E quem quiser ter uma tropilha bonita, cuide agora do pingo que tem.


Caco de Paula.
11/01/2010.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Vó Campeira



O corpo curvado, antes ereto.
A pele flácida que foi tão macia.
Os olhos fracos vagando dispersos
Como a rever, como foram seus dias.
As mãos tremulas, mal seguram a vassoura,
A mente confunde o presente e o passado.
Na companhia de linha e tesoura
Ocupa a vida entre crochê e bordado.
O tempo é mais do que soma das horas,
É um remédio e também um veneno...
Amortece as dores a cada aurora
E também nos mostra o quanto somos pequenos.
Se por um lado perdoa – aproxima –,
Por outro, leva pra sempre os seus.
E no espelho a avó se pergunta:
– La pucha! Quando sou eu...?
Foram-se os anéis e ficaram-se os dedos nodosos,
Em mãos enrugadas por planta e capina.
E o inverno do tempo marcou os cabelos
Bem como a geada prateia a campina.
Matando o tempo nas horas do mate,
Sentindo aos poucos que o tempo lhe mata.
Senta-se a avó na varanda do tempo
Sorvendo lembranças na bomba de prata.

Caco de Paula
06/12/2009